Pesquisando na internet sobre os jogos de Mancala a educadora Adriana, responsável pela oficina de Orí e etno-matemática, encontrou a foto da oficina de Orí do Ojó Odé, a nossa vivência afrobrasileira.
*AIÚ: A Herança Africana Dos Jogos De Mancala No Brasil* Meu texto Publicado no Site África Em Nós e Revista África e Africanidades* sábado, 5 de setembro de 2009
Povos distintos do continente africano transmitiram através da tradição oral as brincadeiras e jogos em geral de geração à geração. Algumas brincadeiras e jogos mantiveram-se preservados em sua estrutura inicial, e outros foram sendo modificados pela aculturação (CASCUDO, 1958). A difusão da Mancala no continente africano é mais notada do que em qualquer outro continente. A Mancala tem mais de 200 versões e consequentemente possui nomes diferenciados nos países em que é jogada: AIÚ no Brasil, AYÓ na Nigéria e a versão brasileira teria vindo de lá, OURI em Cabo Verde, AWARI no Suriname, OWARE em Gana, ADI no Daomé, ANDOT no Sudão, KALAH na Argélia, WARI na Gâmbia e no Senegal.
Conforme Macedo (2000) há duas vertentes básicas dos jogos de Mancala, uma asiática mais simples jogada por mulheres e crianças e uma mais complexa africana jogada pelos homens que parece ser mais complicada que o jogo de xadrez. Segundo os Árabes a palavra Mancala significa ‘mover’, e as Mancalas são jogos de semeadura e colheita, notadamente relacionada às atividades de plantio. Diversas lendas e mitos africanos afirmam o valor simbólico do jogo como estas que vou contar agora retirados do site “Jogos Antigos”
“No Suriname, o Awari, uma das variantes do Mancala, é jogado na véspera de um enterro, para distrair o morto. Depois do enterro, o tabuleiro é jogado fora.”
“É jogado indiscriminadamente por homens, mulheres, crianças, ricos e pobres, mas, nunca a dinheiro, já que seria uma de suas regras éticas (não escritas) que a Mancala é jogada para se saber quem é o melhor e não para se obter ganhos financeiros.”
“Uma lenda interessante é a do Oware uma das versões de Mancala de Gana. O nome significa “ele casa”. A lenda diz que um casal de jovens iniciou uma partida do jogo e, por estar esta demorando, resolveram casar-se a fim de poder terminar a partida sem interrupções.”
O jogo do AIÚ era jogado no Brasil pelos africanos chamados de carregadores do pesado nas horas vagas quando viviam nos portos do Rio de Janeiro e de Salvador (Querino, apud RAMOS, 2007). O AIÚ é um jogo de tabuleiro que varia de um lugar para o outro podendo ter 12, 16, 24, 30 ou mais buracos para as sementes. Geralmente é jogado por dois jogadores que semeiam e colhem as sementes dispostas, mediante uma das inúmeras regras existentes. O tabuleiro mais usado é o de 12 buracos com um oásis ou Mancala (depósito das pedrinhas que se ganha jogando) na face lateral do tabuleiro. O objetivo do jogo é capturar o maior número de pedras. Uma regra bem simples é a seguinte:
*O jogo começa em geral com quatro sementinhas em cada buraco. Sua jogada consiste em escolher um buraco, retirar suas pedras e distribuí-las pelos outros buracos, uma por buraco, no sentido anti-horário (em algumas versões do jogo, no sentido horário). Quando você passar por sua Mancala deve deixar uma pedra nela como se fosse um buraco normal, mas, a Mancala do adversário deve ser pulada.
*Se a última pedra distribuída cair na sua própria Mancala, você joga de novo. E se ela cair em um dos seus buracos e ele estiver vazio, você leva para sua Mancala não apenas essa pedra, mas todas as pedras que estiverem no buraco adversário exatamente oposto. A propósito, sua Mancala ou Oásis fica do seu lado direito.
*Quando os seis buracos de um jogador estão vazios, o adversário coloca todas as pedras que estiverem na sua metade do tabuleiro na Mancala do outro. Somam-se então as pedras e quem tiver mais vence. O jogo acaba quando há poucas sementinhas no tabuleiro ou quando há uma em cada lado, então, contam-se as pedras que cada um ganhou e quem tiver mais é o vencedor.
Encontra-se o jogo de Mancala à venda em alguns sites, mas, há uma forma simples e acessível de fazermos o jogo, por exemplo, com estudantes do ensino fundamental. De uma simples caixinha de ovos de papelão, retira-se a tampa cortando-a para colocar na lateral fazendo-se o lugar da Mancala ou Oásis, pode ser colada ou grampeada. Sugere-se a opção de pintar com tinta guache para ficar original e usar pedrinhas, caroços de feijão, de milho, contas, miçangas, sementes de pau-brasil, búzios e etc. para servir de sementes.
O site da Wikipédia afirma que recentemente a Mancala foi considerada patrimônio cultural afro-descendente do Brasil, não consegui confirmar o fato, mas, deixo a informação para pesquisas no IPHAN. Atualmente a Mancala tem sido muito praticada nas escolas de Portugal havendo inclusive campeonatos de Ouri, como é conhecido este jogo na terra lusitana. Vários países africanos ainda jogam a Mancala e suas variantes. No Brasil estamos buscando esta prática inclusive por ser mais um instrumento pedagógico de raciocínio lógico, reflexivo e significativo patrimônio da cultura afro-brasileira.
Espero que o resgate deste jogo milenar seja mais um passo na busca da nossa história e valorização do conhecimento transmitido pelos nossos antepassados africanos. Finalizando deixo um provérbio Fulani concluindo meu objetivo neste artigo: “Quem conhece o ontem e o hoje Conhecerá o amanhã, porque o fio do tecelão é o futuro, o pano tecido é o presente, o pano tecido e dobrado é o passado.”
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REFERÊNCIAS
CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro. 6ªedição. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Editora Universo, 1988.
________________________. Supertições e Costumes: Pesquisas e Notas de Etnografia Brasileira. Editora Antunes & Cia. Rio de Janeiro, 1958.
FREYRE, Gilberto. Casa grande e Senzala. 50ª edição. São Paulo: Global Editora, 2005.
KISHIMOTO, Tizuko. Jogos Infantis: o Jogo, a Criança e a Educação. Petrópolis, RJ: Vozes,1993.
LOPES, Nei. Enciclopédia Brasileira da Diáspora Africana. São Paulo: Selo Negro Edições, 2004.
MACEDO E OUTROS, Lino de. Aprender com os Jogos e Situação Problema. Rio de Janeiro: Artmed, 2000.
RAMOS, Athur. O Folclore Negro do Brasil. 3ª Edição. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
SILVA, Elísio Santos. O Ouri: Um jogo Caboverdiano e a sua Prática em Portugal. Lisboa: Associação dos Professores de Matemática, 1984.