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Tribuna do Planalto destaca prêmio recebido pela Escola Pluricultural Odé Kayodê da Vila Esperança

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Igualdade racial: escola goiana ganha prêmio

Thaís Lobo – Estagiária convênio Tribuna/PUCGO

Escola Pluricultural Odé Kayodê, na Cidade de Goiás, teve o projeto de cultura afro e indígena reconhecido nacionalmente.

Um cortejo branco e dourado descendo as ruas da Cidade de Goiás, antiga capital do estado. Ao som de tambores, um cordão humano enaltece reis e rainhas ancestrais, invocando as forças da natureza em pedidos de paz e de alegria.
Esse é o Afoxé Ayó Delê, projeto da Escola Pluricultural Odé Kayodê, premiado na sexta edição do prêmio Educar para a Igualdade Racial, iniciativa do Centro de Estudo das Relações de Trabalho e Desigualdades (CERT).
O projeto é realizado há 12 anos através de diversas oficinas culturais ligadas ao povo africano e que culminam num cortejo que reúne mais de 200 pessoas pelas ruas da cidade histórica.
Mas esse não é o primeiro prêmio que a escola recebe. As práticas Ojó Odé e Porancê Poranga, por exemplo, já foram premiadas na edição anterior do concurso. “No Ojó Odé tem o canto, a dança do afoxé e é contado um mito. Depois as oficinas são divididas: tem dança, estética e várias outras ações espalhadas sobre a cultura africana pela vila. Já o Porancê é a prática indígena onde nós vamos para a Oca Poranga, nos vestimos de indígenas e lá tem o canto e a dança tupi guarani, além das brincadeiras, oficinas de colar, de caneleira, de saiote, de brinquedos e da culinária indígenas etc”, conta a diretora da escola, Rosângela Magda de Oliveira e Souza.

Escola viva
A escola fica numa área de 3 mil m² de puro verde, às margens do Rio Vermelho. A construção conta com uma estrutura excelente: salas coloridas, brinquedoteca e muito espaço para cerca de 50 crianças de baixa renda que estudam gratuitamente nas turmas do 1° ao 5° ano do Ensino Fundamental.
Além do conteúdo curricular, os alunos ainda tem acesso a diversas oficinas à tarde e também à chácara Caminho das Águas, onde são realizadas atividades semanais de plantio e colheita de mandioca e milho.
Na rotina das crianças também consta visitas ao galinheiro e ao curral, experiências que ensinam o respeito e o cuidado com o meio ambiente. “Lá nós tiramos leite de vaca, vamos para a trilha, aprendemos sobre mitos e ainda vamos tomar banho de rio”, conta Beatriz Valério Tedesco, 8 anos, aluna do 3° ano.
Nesse espaço também é desenvolvida uma pedagogia que valoriza a roda – onde todos se veem e estão em pé de igualdade -, e na experimentação, onde o prazer de aprender é estimulado. “Nós acreditamos na educação pela vivência, pela experimentação, onde os conteúdos deixam o livro e ganham sentido na vida”, argumenta a coordenadora e professora do 4° ano, Emicléia Alves Pinheiro.
Mas há muitas dificuldades para garantir essa estrutura. A escola é mantida pelo Espaço Cultural Vila Esperança, fundado pela associação de mesmo nome e criada com o objetivo de valorizar as raízes culturais e de transformar a sociedade através da educação.
Rosângela conta que a escola começou a partir da iniciativa do antropólogo Robson Max de Oliveira Souza e do dançarino Pio Campo. “A vila era um lixão, um buraco. Nós, literalmente, retiramos as pedras porque não tínhamos dinheiro”, recorda.

Reconhecimento

Apesar da falta de apoio, a instituição consegue fazer um trabalho educacional de excelência, reconhecido não só pelos prêmios que recebe, mas também pelos próprios alunos. “Tem muitas crianças que não tem essa oportunidade que nós temos aqui. Por isso temos que aproveitar enquanto podemos para depois poder falar ‘hoje eu sou um adulto legal porque tive uma infância maravilhosa’,” comenta a estudante Nauane Emos Braz, 8, aluna do 3° ano.
A experiência de estudar na escola é tão marcante que muitos alunos criam fortes laços de amizade. É o caso de Nathan de Souza Botelho, 11, que hoje cursa o 6° ano na Escola Estadual Dom Abel.
Ele chegou na escola ainda bebê e atualmente ajuda outras crianças, exercendo a função de monitor do 1° ano. “Aqui tem os Ojó Odé, os Porancê, as vivências culturais. Aqui nós não aprendemos só escrevendo no quadro; também aprendemos no trabalho de campo: nós vamos na roça, onde aprendemos a fazer até farinha.”
Apesar da pouca idade, os alunos da escola chamam a atenção pela desenvoltura. Rosângela explica que os alunos são instigados a ter liberdade e expressão, mas sempre com responsabilidade e trabalho em equipe. “Eles tem uma consciência e uma formação mais avançada do que muitos adultos que conheço. Aqui todo mundo anda em grupo e as coisas são abertas. Eu não me preocupo em guardar minha bolsa, pois tudo é comunitário.”

Preconceito cultural

Uma instituição de ensino com estrutura semelhante à Escola Pluricultural Odé Kayodé é rara de encontrar. Contudo, a escola sofre com a falta de apoio da comunidade local. O motivo? Preconceito!
No 2º ano, por exemplo, só existe uma única aluna: Ayana Emos Braz. A diretora Rosângela diz que, como a escola é localizada na periferia da cidade e trabalha temas africanos, a iniciativa não costuma ser bem recebida na sociedade.
“Tem aquele preconceito no ar, enrustido. Alguns dizem que adoram o projeto, mas não têm coragem de colocar um abadá, de cantar uma música, de participar de uma dança ou de experimentar a comida africana. A cidade fala que conhece, mas são poucos aqueles que participam e visitam o local.”
Rosângela afirma que muitas pessoas não entendem a cultura e outros ainda a relacionam com o aspecto religioso. De acordo com ela, o fato de algumas características da cultura africana estarem ligadas à religião não interfere na crença de cada um.
Muitos voluntários e amigos da Vila Esperança são de outras religiões e isso se deve ao fato da instituição ter um viés cultural e não religioso. “Não queremos que as pessoas abracem a religião africana ou indígena; nós queremos que elas conheçam, respeitem e admirem.”

Os ‘encantos’ do lixo

O antigo lixão se transformou  em um complexo de 14 mil m², que oferece à comunidade diversos espaços culturais como o Território Livre (teatro de arena que sedia o cinema da Vila), o Quilombo (espaço para ensaios do Afoxé), parque infantil, brinquedoteca, campo de futebol e castelo europeu (onde funciona o laboratório de informática e de rádio, onde os alunos produzem um programa transmitido pela emissora de rádio local).
O espaço inclui também circo, cabanas, ocas; salas de tecelagem, de cerâmica, de estética e de medicina popular, entre outros. Boa parte da verba que a associação recebe é proveniente dos espetáculos e dos eventos realizados no próprio espaço cultural.
Segundo Rosângela, outros recursos são conquistados através das apresentações de vivências africanas realizadas por eles e pelos prêmios e apoios conquistados de diversas instituições.
Entre eles, segundo ela, está o projeto Criança Esperança, que esse ano está apoiando as práticas de Ojó Odê e Porancê Poranga. Contudo, a manutenção do espaço enfrenta muitas dificuldades.
Rosângela conta que o único apoio do poder público vem do governo federal, que destina recurso para a merenda escolar. O dinheiro, entretanto, custeia apenas uma das duas refeições diárias que as crianças recebem na escola.
A prefeitura da cidade só disponibiliza uma pessoa para ajudar nos serviços gerais e o restante da equipe é formada por voluntários. “Ninguém paga salário e trabalhamos por amor à causa. Nós recebemos porque criamos uma cooperativa de educação e arte que divide seus rendimentos mensais entre os cooperados, mas não temos 13° salário, férias e outros benefícios. E nós temos outras prioridades; a vila paga muita coisa e sobra um salário mínimo para cada um de nós para poder ajudar na nossa sobrevivência,” conta.


Acreditar para ensinar

Pioneira no país, a experiência pedagógica da Escola Odé Kayodê é a materialização da lei 10.639, aprovada em 2003 e que determina a inclusão do ensino da história e cultura afro-brasileira nos currículos da Educação Básica.
Entre os diferenciais da instituição está o quadro de funcionários, onde todos os professores e demais agentes atuam de forma voluntária.
A coordenadora Emicléia Alves Pinheiro conta que os conteúdos afro e indígena estão internalizados na equipe, o que torna o trabalho natural e prazeroso. “A lei resulta numa questão de imposição. Nós fazemos porque está no currículo, mas também porque acreditamos e sabemos que isso faz parte da nossa vida, da nossa identidade.”
Apesar do trabalho pedagógico ser desenvolvido em conjunto com o antropólogo e fundador da Vila Esperança, Robson Max de Oliveira Souza, nenhum professor tem formação específica em cultura africana e indígena.
Para a diretora Rosân­gela Magda de Oliveira Souza, o que falta para que esses conteúdos sejam efetivados na rede é boa vontade. “Dá muito trabalho e o ser humano é muito comodista. A pessoa tem que acreditar e ter muita força para ir contra a maioria. Muitas professoras da rede pública da cidade já passaram por aqui e saem maravilhadas com o que aprenderam, mas confessam que não dá para trabalhar isso na escola porque dá muito trabalho. Formação é importante, mas o que falta mesmo é a vontade em trabalhar,” completa.

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