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AFOXÉ AYÓ DELÊ 2015

IYA OMI NIBU (Mãe das Águas Profundas)
Robson Max de Oliveira Souza

Oxum é água que nunca seca, pois é fonte inesgotável de energia amorosa da terra. Ela é identificada às Grandes Mães, e recebe o título de “Iya mi akoko”, minha mãe das Origens.

Na África, no dia da festa de Oxum, todo o povo da cidade, os sacerdotes, devotos, iniciados, espectadores, peregrinos, autoridades e visitantes reúnem-se no palácio do rei de Òsogbo. De lá saem em cortejo até a Floresta Sagrada de Oxum, onde está o templo em volta da pedra onde segundo a tradição, o líder da aldeia agradecendo ao rio pelos benefícios alcançados depositou presentes à divindade das águas, Oxum. Conta-se que nesse momento um grande peixe pulou e cuspiu água, aspergindo o líder, que passou a ser chamado pelo título de “Ataojá” – o peixe fez um pacto com o rei.

O Rei de Osogbó acompanha a “Arugbá Ósun”, uma menina consagrada a Oxum encarregada de levar o Igbá, a cabaça de presentes e objetos sagrados à frente. Os sacerdotes cantam orações e louvores saudando o rio, as forças femininas ancestrais e reconhecendo todos os benefícios da Água…

Esse mesmo movimento amoroso de reconhecimento e respeito corre pelas ruas de Goiás, do outro lado do Atlântico, no centro do Brasil.

Há 16 anos sai o cortejo afro chamado AFOXÉ Ayó Delê. É uma iniciativa cultural e religiosa promovida pela Vila Esperança e pelo Egbé Omo Oduwa Opó Odé Arole, o templo de culto aos Orixás que é base e sustento de todos os projetos culturais e educativos do Espaço Cultural Vila Esperança. Esse templo vem nascendo e tomando forma há muitos anos e nasce de direito com a vinda do grupo de Sacerdotes e Sacerdotizas africanos da Nigéria vindos em janeiro deste ano trazidos pelo Babá King. Babalawô e sacerdotes especialistas no culto de vários Orixás e no Culto de Iyami e ancestrais entoaram cânticos religiosos, evocaram as forças cósmicas e abençoaram esse chão e essa Casa onde a Esperança e o amor sempre militaram na cultura, na arte e na educação, pelas causas sociais e humanistas.

Nosso cortejo, entre toques e cânticos, cores, flores, perfumes, doces e muita beleza vai acompanhando nossa “Arugbá”. A menina que carrega a cabaça dos presentes ao rio vai representando todos os nossos ideais de paz com a natureza e a humanidade; e nossa militância nesse sentido.

Um cortejo de símbolos e significados, sensações e sentimentos, percorre as ruas seculares do centro histórico de Goiás. Esse cortejo parte e retorna à periferia. Também esse percurso é sinal de seu lugar. De que lugar falamos, a partir de qual realidade social e cultural optamos por ser e falar. A partir da cultura africana, tornada brasileira recriamos nesse momento condições simbólicas e sensoriais para o exercício da experiência interativa de fazer com que a sobrevivência se torne vivência e vivência compartilhada – uma convivência de idéias, palavras, símbolos, significados e sentidos que vamos dando ao mundo e à vida. As águas de Oxum, não são só águas, são metáforas vivas e sentidas da fertilidade, do prazer, da fluidez, do frescor da Vida!

Homenageamos as mães na saída do Afoxé. Por isso ele sai no segundo sábado de maio. No segundo domingo de maio comemora-se o “Dia das mães”. A cabaça que a “Arugbá” carrega é a barriga que gera, que nos gerou. O grande ventre que é a Mãe Terra, que bem poderia se chamar: Mãe Água!

Descemos às margens do Rio Vermelho e ali depositamos flores e doces. Essas oferendas acontecem em um contexto de lutas pela tolerância religiosa e cultural, onde fundamentalistas pentecostais expressam sempre mais duramente os seus preconceitos em relação aos diferentes modos de crer e ser no Brasil, inclusive com uma ascensão

política através do voto dos adeptos de suas Igrejas nas eleições dos últimos anos. Esses políticos têm criado uma forte base parlamentar para lutar por aquilo que eles chamam de “certo”, e a favor de seus interesses com crescentes manifestações racistas, homofóbicas, pela minoridade penal e por medidas de combate às religiões de matriz africana.

Fazer oferenda ao Rio Vermelho, em pleno centro histórico de uma cidade colonial, construída por mão de obra escrava em cima do massacre indígena e da expansão agropecuária dos latifúndios dos coronéis é algo significativo. Vivenciamos nosso belo e original sentido de liberdade e de direito e podemos acrescentar ao mundo o dom da gratuidade do Espírito, que flui e sopra onde quer. Ao toque dos tambores podemos afirmar com nossos ancestrais negros, a primazia da beleza e sentimento.

OMI O!

Salve a água!

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